projeto
Boteco Histórico

Rua dos Andradas, 895 - POA, RS

Projeto de Restauração e Execução

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2017 - 2018


Localizada no Centro Histórico de Porto Alegre, esta construção inventariada como de interesse histórico-cultural passou por uma restauração completa entre dezembro de 2017 e maio de 2018. Dos azulejos originais, 378 foram preservados, enquanto 800 réplicas foram encomendadas para manter a integridade visual da edificação. A fachada remanescente reflete o estilo típico das construções do final do século XIX e início do XX em Porto Alegre, que combinavam uso residencial no segundo piso e sótão com atividades comerciais no térreo. Um dos elementos mais notáveis é a platibanda adornada com gradis de ferro.
A casa dos Azulejos, localizada na Rua dos Andradas, tem uma história rica, estudada pelo historiador Pedro Von Mengden (@von_mengden). Ao longo do tempo, o imóvel foi utilizado para diversos fins comerciais, como gráfica do Jornal do Comércio, a Marmoraria José Obino e a fábrica de malas e bolsas "Duquesa". Meirelles sugere que, embora a estrutura tenha sido construída antes, ela foi revestida com azulejos na década de 1860, período em que essa prática se popularizou em cidades portuárias para proteger fachadas da umidade e salinidade. Entre os diversos ocupantes ao longo dos anos, destacam-se a Grande Magasin de Modas e a Chapelaria Moderna.
Esta é uma das cinco casas remanescentes na cidade com revestimento de azulejos cerâmicos, localizadas na Praça XV, Rua Sete de Setembro, Rua Duque de Caxias e Rua dos Andradas. Embora não existam registros arquitetônicos detalhados nos arquivos municipais, uma imagem da década de 1960 indica que a construção data do início do terceiro quartel do século XIX.
Após a descaracterização do térreo e a demolição parcial da edificação original, o arquiteto Alexandre Bock reinterpretou o espaço, recriando o térreo com elementos de ferro fundido e madeira. Hoje, o local abriga o restaurante "Boteco Histórico", que une o passado da edificação à vida contemporânea da cidade.
A Casa dos Azulejos é um exemplo da arquitetura do Brasil Império, caracterizada por tendências clássicas típicas da época. A edificação apresenta pilastras com capitéis e vãos em arco, que conferem ritmo às portas voltadas para um balcão embutido na alvenaria e sustentado por mãos francesas de ferro fundido. O destaque do imóvel reside no uso do revestimento cerâmico e do ferro fundido, presentes tanto nas varandas quanto, outrora, em vitrines. A platibanda, que coroa a edificação, surge a partir da cimalha de estuque e é ornamentada com pilaretes alinhados às pilastras, intercalados por gradis de ferro, conferindo leveza ao conjunto. Essa composição é considerada uma característica típica e endêmica da cidade de Porto Alegre.
O revestimento de azulejos azuis, no estilo tradicional português, é intercalado por azulejos em alto-relevo nas cores branca e amarela, que realçam frisos, vergas e pilastras, enriquecendo a fachada.
A restauração envolveu profissionais de quatro estados brasileiros: a obra foi coordenada por gaúchos, contou com a consultoria de uma especialista baiana, Zeila Maria Machado (@zeilamariamachado), restauradores catarinenses e uma empresa carioca especializada em cerâmica. O arquiteto responsável, Lucas Volpatto, relata que mais de vinte testes foram necessários para alcançar o tom exato dos azulejos azuis com estampas de tulipas amarelas em relevo.
Os azulejos originais, trazidos da cidade do Porto, em Portugal, foram cuidadosamente retirados, numerados e restaurados, para que fossem recolocados em seus locais exatos.
Segundo Volpatto, o uso de azulejos na fachada era uma estratégia para aumentar a durabilidade da construção no século XIX — uma prova de sua eficácia é o fato de a fachada ter resistido ao abandono e a um incêndio ocorrido em 2009. Hoje, apenas a fachada original permanece intacta no número 895 da Rua da Praia, enquanto o restante da edificação foi reconstruído.
Após a demolição da estrutura principal, a fachada remanescente foi preservada em seu estado original, limitando-se à limpeza e à instalação de bandejas de madeira para proteger os transeuntes. O novo volume que atendeu ao restaurante foi uma edificação térrea, que se estendia horizontalmente ao longo do terreno. Com a proposta do arquiteto Alexandre Bock para reconstituir a volumetria original, o conjunto ganhou um segundo piso, reforçando a estrutura da fachada preservada.
O primeiro piso foi revitalizado, de acordo com o projeto de Bock, que incorporou peças de madeira e vidro temperado incolor. O segundo piso, embora mantivesse certa originalidade, apresentava degradação significativa no revestimento de azulejos. Estava escorado provisoriamente com trilhos metálicos e, apesar de algumas rachaduras e fissuras acima da cimalha, que indicavam cisalhamento na platibanda, a estabilidade da estrutura como um todo não estava comprometida.
As vedações dos vãos de madeira mantiveram as características originais, com bandeiras em vidro único, frisos decorados, e portas-janelas com caixilhos de vidro e postigos. As peças metálicas dos balcões e gradis da platibanda exibiam sinais de oxidação, mas permaneceram estruturalmente íntegras, o que possibilitou sua restauração. Apenas uma mão francesa metálica, que estava incompleta, precisou ser substituída por uma réplica fiel.
O revestimento cerâmico foi o aspecto mais desafiador para a restauração. Havia inúmeras lacunas nos azulejos azuis, e poucos dos existentes estavam intactos. A maioria foi afetada pela ação de sais e pela desagregação do biscoito cerâmico, o que comprometeu sua integridade.
A opção pela reconstituição da fachada com o uso de réplicas semelhantes ou idênticas às originais partiu da EPAHC, órgão da Secretaria Municipal da Cultura que tutela os bens inventariados em Porto Alegre. A cerâmica, original vinda da Cidade do Porto, mais precisamente da Cerâmica Miraguaia, que não encoste mais, deveria ser reconstituída. Depois de uma longa pesquisa, e prospecções entre empresas em Portugal, na Bahia e no Maranhão, o desafio foi proposto a Cerâmica Luiz Salvador (@luizsalvador_) que topou e teve um papel fundamental na produção das réplicas.
As réplicas não são identificadas com o propósito de um olho mais técnico e apurado possa identificá-las.
Casa dos Azulejos